terça-feira, 10 de maio de 2011

UM DIA - EU INDO EMBORA

A morte deve ser um voar para longe
Uma queda do décimo quinto andar
Um segundo para trás e tristezas
Um susto para frente e... sei lá...
Descobertas?
Alegrias?
Milagres?
Icógnitas de uma infinitude última da coisa humana.

Morrer deve ser uma dádiva
Fato marcado - cerrado
Somos eternos morrentes desperdiçando o imensurável
Espaço vago na cadeira do jantar
A cama gigante
Buraco cravado na alma
- Diante do nada existencial
O vazio já é muita coisa

A morte é uma promessa da vida
Um contrato assinado em meio à lágrimas de felicidade no hospital
Rancho, presépio, palácio
És rei, rico, errante
Galã de novela

De um rompante de sobriedade
Morre-se todo dia
A dor está impregnada na face de quem fica
A história sincrônica passa a te esquecer
A diacrônica é eterna enquanto eu viver
E se eu for embora
Quem vai continuar a cantar a sua glória?

Era mais fácil quando ficava com raiva de Deus
Na mais simples suspeita da sua onipotência
Ah que luta mais vã, camaradas
Acredite nisso:

A MORTE NÃO CABE EM NOSSA METAFÍSICA

A morte não deve ser...? Não, não...
A morte é o que é
Uma despedida pela porta de trás do anfiteatro
Ninguém pra ver
Os aplausos só quando já não se existe
Um olhar espantado pedindo socorro
Uma menina levada, viva, implacável
a espreitar os passos da existência e cobrar a fatura
Um mestre do RPG

Tenho ESPERANÇA
Esperança humana, insípida – luz de candeeiro

De que seja linda, florida, cálida, cândida, romântica
E que eu possa voltar e contar pra todos vocês
Dizer que tudo é perfeito
Como um banho de mar na Bahia
E que sentirei saudades
Saudades, saudades.

quinta-feira, 31 de março de 2011

ADEUS, VELHO BETO

“Quero trepar na rua, fazer orgia, correr o risco, brincar na chuva, ir à praia com R$ 5,00 reais e dois vales transportes para o “Dropps”, encontrar os amigos, chegar duro nas ninfetas de plantão em Patamares, voltar pra casa bêbado e feliz por mais um dia de inutilidades que fazem a vida ter algum sentido, um propósito, um código secreto que só os adolescentes de riso solto e infinito o conhecem de maneira tácita e inequívoca.” E foi desse jeito que ELE me falou quando, na noite deste domingo, o vislumbrei no espelho velho e empoeirado do banheiro, retornando do animadíssimo Happy Hour de sexta. Aliás, a casa aparenta ser dele, tamanha autoridade na colocação dos verbetes nada comedidos e apelativos, sob o ponto de vista das boas maneiras. Então tá, já que a idéia é soltar o verbo, não me furtarei a procurar entender o raciocínio deste que rompeu a barreira do escasso silêncio solitário. Quero falar de uma vida germinada agora, pela teimosia e pela força de sua premente identificação comigo, embora não concorde, mas é ele mesmo quem diz, ROBERTO APARECIDO IMEDIATO CONSCIÊNCIO DA SILVA. Nome que ele jura não saber ao certo de onde surgiu ou quem o teria batizado. Eu sei do passado dele. Faltam-lhe situações, fatos e emoções vividas que o trouxe até aqui, por isso precisa de mim, embora odeie a dependência, justamente para ajudá-lo a falar, orientá-lo na busca dos sentidos certos das coisas e ao mesmo tempo o compelir a falar da “MINHA”, quer dizer... da (SUA) tão conhecida e admitida ADOLESCÊNCIA TARDIA, amada pelos parceiros de sempre e alimentada pela consciência do outrora menino criado num apartamento da periferia de Salvador, e que agora teima querer abandoná-lo, depois de anos de um resgate que discorrerei rapidamente a seguir. Tudo veio muito tarde para o pequeno Beto. Descobertas cruciais e imprescindíveis como: palavrões; murro no olho; filme pornô; punheta; matar dia de aula chata; adulterar as provas de exatas, tremer diante das naturais; perder a virgindade com a priminha distante; se divertir com brincadeiras educativas como “Garrafão”, “Castanha”, “Médico” e o imprescindível “Cair no poço”, nome científico “Salada Mista”, para os desavisados, este último funciona como uma espécie de iniciação à putaria. Essas saudosas peripécias vieram muito depois de tudo isso começar a ficar saturado para os colegas de faixa etária. Em casa, ele sempre contou com uma educação vigilante dos melhores pais do mundo e a presteza das empregadinhas, algumas pseudoamáveis, todas exploradas, outras suficientemente gostosinhas e, demasiadamente “disponíveis” vindas do interior do Estado. Os vizinhos se divertiram bastante com elas, até surgir um rival imbatível anos depois, rsrs. Ainda quando pequeno, viveu “preso” no quarto andar do prédio 18, apartamento 401, longe da lama, da bactéria, do vírus, da poeira, da fumaça, das topadas, das quedas e de tudo aquilo que ele viera a ser muito depois dos 15 anos de idade. A adolescência de Roberto chegou tarde, até porque a infância não foi vivenciada em sua plenitude, já que os pais são filhos de uma geração onde a mulher já não mais era parte estática da vida privada, portanto trabalhava tanto quanto o homem, faltando então o tempo necessário ao acompanhamento da criança nas liberdades e riscos da tenra idade. Estas lacunas desembocaram num adulto com uma personalidade enfraquecida e, segundo ele mesmo, muito peculiar no trato com as coisas do mundo. Como um adolescente desafiado em seu orgulho, Roberto passou os últimos 20 anos isento de irresponsabilidades e pressões. Seu imaginário é constituído pela explosiva combinação de Peterpan, Cinderela e Jardim das Maravilhas com As Brasileirinhas, Bruna Surfistinha e Nosso Lar - uma eterna dramaturgia infanto-juvenil. Ele não ficou apenas nas projeções criativas, e restritas ao papel, como no caso de Manuel Bandeira e sua árdua convivência com a tuberculose. Não, não, muito pelo contrário, viveu tudo que um dia sonhou, sem freios, sem reservas, foi o rei de muitas destas, foi bandido de outras tantas. Beto fez parecer que todas as atitudes eram grandes, ungidas por um código estabelecido nas estrelas, um propósito cósmico – um significativo NADA. O próprio Bandeira chegou a dizer “A poesia é feita de pequeninos nadas”. A vida é poética quando se é moleque. Dessas circunstâncias, os amigos criaram lendas antológicas das suas aventuras, para ser sincero, deveras exageradas, um esforço para eternizar o parceiro, imortalizá-lo nas conversas de beira de bar ou eventos solenes. E assim, Roberto nascia em mim e para este texto, a fim de se dar conta da sua existência, atestar como um grito no banheiro a sua visibilidade. Sem mais poder relatar, paro por aqui com os detalhes. No sentido de não consternar o público e não prejudicar o co-autor desta vida, digo apenas que a adolescência de Roberto durou tempo suficiente para me causar, pela primeira vez, medo e vergonha – CONSTRANGIMENTO. Sentimentos inexistentes no convívio de dois amigos guris, compartilhando as risadas e as irresponsabilidades. Um dentro do outro, sem nenhuma alusão gay. Quem sabe desdobramentos de uma única megalomania. Podem esquecer, isso eu não admitirei nunca. Estou crescendo, ficando velho e chato. Isso representa minha tristeza, não pela velhice, mas porque representará a morte de Roberto em mim. O cara gritou, esbravejou, bebeu, arrotou, apareceu, quando minha educação tradicional e comedida só queria silêncio, gentilezas, estudos, por favores e com licenças. Ele venceu a timidez, enquanto meu bom dia não era escutado dentro das salas de aula. Ele xingou quando eu pedia desculpas. Ele tomou aquele fora e sorriu, enquanto eu amarelava de vergonha na beira da piscina do Play. Utilizando-se de um cavalheirismo Dom Quixotiano, ele lascou a “patricinha” na área de serviço do 4º andar do Prime Residencial e a puxou pelo cabelo, enquanto eu mandei flores, ofereci docinhos, recitei Quintanas e Buarques, para no fim, ela esquentar lençóis úmidos lá no Vintão da Avenida Carlos Gomes. Eu sou o otário, Roberto é o cara. Eu presenciei cada segundo das aventuras do meu outro, como um Voyeur profissional de dar inveja a qualquer telespectador de Reality. Vou sentir saudades – Roberto está morrendo. Minha vida não é nenhuma saga de um tal João de Santo Cristo, nem mesmo a do Roberto, embora ele tenha tido mais destaque. Não somos dignos de nota, nem filmagens Hollywoldianas, mas talvez por isso mesmo este blog exista. Roberto é uma boa causa. Ele precisava sair do silêncio frio da cabeça de um manso. Até ele está asfixiado. Não aguenta mais viver comigo, mas não pode viver sem mim. Este é o grande dilema, senhores. Viveu para o mundo, ainda que pelo breve instante dos toques esparsos no teclado. Viveu uma eternidade para mim, sendo o melhor e o mais visceral. Da minha parte, vivi entre ruídos de uma frequência de zumbi. Nunca fui digno do estrelato, consagrado pelo grande público. Nunca levei nada muito a sério. Brilho pouco. Vivo entre o sinal destorcido e limitado de alguns segundos no FM, sinal digital, e morro sempre no ostracismo da frequência AM – um “chiado” horroroso. Convivo com a desconfiança das pessoas e da minha própria, Afinal são 30 anos de convívio comigo mesmo, e apenas algumas horas de orgulho. Não sou deprimido, nem estou. É que tenho lido pouca literatura e as poucas, estão ruins demais. A arte me enriquece com a contemplação do ilusório. É disso que estou me desprendendo, morrendo aos poucos, envelhecendo e ficando chato. Roberto é minha alteridade e representa um risco à minha nova vida de pai de família. Não que eu esteja criando responsabilidade, mas com certeza estou abandonando algumas irresponsabilidades, por estarem ficando obsoletas na minha vida, perdendo espaço. É a angustia e o alívio do processo de mortificação de Roberto. Desculpa companheiro, pois eu também sou culpado do seu iminente fim. Entretanto eu preciso, ou melhor, você precisa admitir, Betinho, que nas palavras parafraseadas do pensamento de Caetano Veloso, estamos comemorando a morte do velhote inimigo que morreu ontem. Porque não mais há a quem contradizer, não há mais rebeldia que o valha, não há a quem provar alguma coisa de relevante, ou a prova deve ter mudado de foco. Eu estou respondendo por tudo, porra - chato demais. Comer todo mundo não faz mais o menor sentido, nem fisicamente isso tá valendo mais tanto a pena assim. Roberto acha tudo isso besteira. Ele discorda. Eu continuo confuso porque Roberto está fazendo um esforço pra viver. Ele está tagarelando impropérios, indagações e inquietações, as quais se seguem: - a gente vai querer entra, filha da puta, resignadamente no mesmo labirinto escuro de todo mundo? Será que serei digno de viver no cemitério dos antigos elefantes, Clowns de Shakespeare, Titãs e os Doze Grandes do Olimpo? Será que serei recebido, depois de tudo, como um... GRANDE? Rapaz, e se não for o suficiente, dará tempo colocar uma lupa, uma bermuda de bicho solto da Cyclone, uma camiseta tipo baby look e sair para arriscar não ser chamado de tio ou coisa parecida diante da “codorninha” piriguete na fila da Macdonald’s? Vai sobrar o quê, parceiro? Só falta você querer que eu sente naquele banquinho da praça, começe a dizer que um dia fui bom de bola e resmungue miúdos pelo fato deles não colocarem o antigo “Kichute” para não arrebentarem os pés. E logo eu, Adriano, que pensava que podia ser diferente a vida toda. Só fui mais um, como naqueles filmes em que o herói volta ao passado para mudar o presente e só faz corroborar para a manutenção do mesmo atroz futuro. Não sei como será o futuro que se apresenta cada vez mais próximo, mas uma coisa é certa, estou mais religioso, mais medroso e mais calmo. Hoje ouço menos Rock, vou para menos pagodões, me embriago menos, estou mais bostético e o pior, minha tão famosa naturalização das coisas está gostando de tudo isso. Anti depressivos e calmantes começam a fazer efeito – são novas coisinhas que aliviam uma dor nova. Nada é tão justo assim. A maldade é sempre para comigo mesmo! E por mais que eu grite... - Eu não, Roberto! Não dá mais para saber quando começa a voz de um e entra a voz do outro. Talvez os dois sofram do mesmo mal. Roberto nasceu de uma tentativa carnavalesca radical de esquerda para ser um alheio, pois no fundo, o que realmente chateia é essa exigência de ser forte sempre, pré-requisito desta disputa interminável pelo Yes, We Can de todos os dias, do sonho cada vez menos local, nacional norte-americano. Um angustiar incessante de alguém que nunca desejou verdadeiramente nada, nem sabe lidar com confrontos diretos das disputas, da afirmação da superioridade que enaltecem poucos e subalterniza e “ostraciza” os demais. Roberto só queria ser um adolescente eterno. Viver de poesia, ver locupletarem-se os espaços vazios de significado da nossa noção de realidade que insiste em nos deixar no vácuo... vácuo do desemprego, da corrupção, das incertezas, dos amores não correspondidos, das dores carnais e espirituais, das injustiças sociais, do destempero, do dissabor, da maldade inerente ao Homo Sapiens Sapiens. E agora daqui, no apartamento alugado do 10º andar do Condomínio Moradas do Vento, a melodia do meu celular em modo de chamada a ser recebida, avisa-me que está na hora de jogar água no corpo, vestir a beca e ir curtir um reguee no Espaço Garota Carioca, na orla de Salvador. Nesse instante, ouvi-se um grande barulho vindo do banheiro. Era minha esposa que havia derrubado o caixote de remédios, meu filho aos prantos, tomado pelo susto, engatinha em minha direção, estende um dos braços, apoia-se na minha canela, nos joelhos, abraça-me as pernas, olha para mim e balbucia: Pa – pa – pa. Foi o suficiente. Emocionado, o tomei no colo, beijei o meu garoto, rejeitei a ligação e dei adeus ao meu velho amigo Beto. Mais uma vez, as coisas criam os homens, mas no meu caso, aniquilaram o garoto. Coisas da vida... da minha vida!