terça-feira, 26 de junho de 2012

O ÚLTIMO DESAFIO


Em um antigo monastério de um bairro pacato no interior da Itália, um seminarista postulante a padre se via às voltas com um amor proibido e as regras de conduta de um tio muito ranzinza que o havia criado dentro do mais absoluto ortodoxismo católico. O jovem fora submetido, com êxito, a desafios diversos para provar sua total devoção à vida religiosa, a fim de estar apto a receber a benção suprema do curso eclesiástico ministrado pelo próprio tio.  Depois de anos de estudos e treinamentos, o candidato a padre bateu a porta dos aposentos do velho mestre e disse:

- Acho que já estou pronto para ser ordenado padre da Igreja da Luz. Ministrei pontualmente todas as missas agendadas da semana, abençoei as dispendiosas obras de caridade da comunidade com as generosas ofertas dos fiéis e o mais difícil para mim foi negligenciar em definitivo o demoníaco amor pela Carminha, sentimento que me acompanha e desarranja desde que minhas retinas se viram perdidas em encantamento pela Carmen Lúcia nos jardins da igreja, tudo em nome do ordenado e em respeito a tudo que me ensinaste sobre responsabilidade com as coisas de Deus. Espero que o Senhor esteja orgulhoso de mim! Não há mais nada a aprender.

O velho sorriu e olhou para o jovem seminarista com uma ternura incomum, jamais vista em tempos de duro treinamento e disciplina. Ele tinha a bíblia aberta nas páginas do Decágono, quando falou:

- Enfim foste testado, meu garoto! Ansiei temerosamente por este dia. O dia em que foste testado pelo coração. Deus faz as revelações ao seu tempo. Mandou um anjo sem asas para te dar o último dos ensinamentos. Fico orgulhoso em ter um aluno tão dedicado e zeloso, mas sem pesar e com alegria no coração vos digo que não sereis mais padre.

O sobrinho se prostrou de joelhos perante o tutor e beijando-lhe as mãos continuou:

- Amado Tio, não digas isso, o senhor me ensinou que Deus é a verdade e a vida. Ele é tudo para mim agora. Oh, mestre, o que pensarás Deus de mim se eu o trocar por um sentimento bobo de criança nascido entre as rosas e hortaliças, em noites frias de inverno da Igreja da Luz? Como posso não ter aprendido o caminho correto, se o que escolhi foi renegar o mundo em nome do PAI de Todos? O que fiz de errado?

- Simples, amado!  Vós não entendestes o décimo primeiro mandamento, sem o qual todos os outros não tem a menor importância.

Fechando a bíblia, o velho do monastério respirou fundo e olhou para o seu pupilo com  olhos de adeus, dizendo por fim:

- SEJAS FELIZ, FILHO, POIS O VERDADEIRO DEUS VEIO PARA LHE MOSTRAR O CAMINHO DAS FLORES!

domingo, 24 de junho de 2012

CEGUEIRA

Ah, mundo, por que me obrigas a vê-lo com olhos tão viciados, quando o que se quer, assim como as criancinhas, é manter o eterno deslubramento diante das pequenas coisas do cotidiano. Quero olhar e não entender, despir-me dos preconceitos que nos afastam de uma nova perspectiva de vida... Olhar e bloquear a ação dos conceitos frios que foram construídos apenas para nos manter na letargia de uma realidade estática, insossa e sem graça.  Ah, mundo, quem me dera me desfazer das roupas que meus olhos me vestiram e sair por aí sorrindo em ironia como um bêbado que descobriu como enganar a tristeza no fundo de um copo de cachaça. Ah, mundo, você não viu nada!!! rs

terça-feira, 19 de junho de 2012

TRISTEZA AGUDA...

     Não me lembrava, mas na fragilidade o choro é mais do que bem vindo. É um momento em que, de camarote, a gente se assiste mais humano, menos arrogante e todo poderoso. Hoje chorei e a única coisa que me ocorreu foi uma voz bem lá no fundo do poço das amarguras recalcadas,  dizendo-me: 

"- Queria tomar café todos os dias pela manhã com minha razão, dar um tempo com o coração e dormir abraçado à felicidade, sem vendas, sem invenções e sem dores". 

     Nada parece ser tão revelador a nós mesmos quanto o descarrego silencioso e solitário da consciência. Somos sempre o maior dos nossos algozes mais julgadores. Esta experiência me fez passar mais rente a mim, destituído de defesas e com mais liberdade de me olhar e me reconhecer estranhamente infeliz. 
          
      Quem sabe o exame detalhado e sincero da consciência seja o caminho!! As lágrimas sejam só o começo! Amanhã é outro dia e talvez numa esquina qualquer eu possa tomar um chá de mãos dadas com a alegria.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A PROCURA DA ORDEM


As expressões destoam da linguagem. Pupilas perdidas retalham o sonho de outrora. E as palavras nada podem perante a onipresença da frieza. A perspectiva desenha sua imagem engessada. O músculo engessado. Talvez a ausência do músculo supremo. Tu me mostraste as mesmas imagens de fotos de um tempo onde éramos desconhecidos. A carne sangra as minhas súplicas e você chora o seu desdém. Nada como o desdém diante de súplicas, quando o objetivo é tão somente me manter ali, inerte na minha perplexidade covarde. Eu... que sou a razão do seu desequilíbrio ou nem isso.

Do alto de um prédio de 13 andares me grito em frases desarranjadas, tão confusas quanto meu desatino:

“Meu olhar flagrante te arrebata no instante do golpe de misericórdia.
O soco projetado no estômago das desilusões. Os olhos fechados. Ninguém pra ver.
A perda dos miúdos e das miudezas que eram a argamassa do meu castelo.
Agora me encolho fustigado no porão do adeus.
No vácuo escuro do esquecimento.
Não existe sua voz, nem a lascívia que me enobrecia.
Tentando te encontrar, me perdi.
Não há um só vestígio daquele cântico em versos nas escrituras proibidas.
Nem o bailar do seu vestido rupestre nas tardes da Fazenda do Equilibro.
A vida me parece tão exata agora. Que pena...”

Na horta do prédio, parte dos fundos,  debaixo de uma palha de bananeira, deparo-me com versos redondos. E eles diziam:

Teu olhar flagrante espreita o engano
Os pés descalços, os lados parados, os equívocos escancarados.
...
Pxii, Escuta...
Cala-te, menino, para que possas ouvir...
...
As retinas sem peso
Revelam o golpe que não é golpe
São apenas seus destemperos e minhas agonias ininteligíveis

Hoje uma vida; a dose certa do equívoco
Mas, por certo, O dragão hei de aniquilar

Amanhã, ainda recolhendo os cacos
Varrerei o chão da fortaleza em mim

Renascerei de pé para dormir sem sentir
E calar para no fim, oh alma inquieta...
Poder ouvir os passarinhos.

Não há santidade sem peregrinação.
Ass. A.M.