sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A UTOPIA DE UM CORPO NA PRAIA


Que mundo horrível, meu Deus. Não consegui postar a imagem do garoto sírio na praia. Tenho filho, só pensei nele. As vagas espumosas beijando o corpo imóvel, o sonho, o riso, o futebol, a traquinagem, a brincadeira e o futuro que não mais serão.
Lembrou-me imediatamente outra fotografia de forte impacto emocional, a mais veiculada de todos os tempos, um menino sudanês em primeiro plano e o abutre ao fundo, o primeiro vencido pela fome, o segundo esperando para cumprir uma lei natural. Triste espécie humana. Tão triste que a criança na oportunidade sobreviveu ao abutre e o fotógrafo sucumbiu à dor, pirou, enlouqueceu, deu cabo da própria vida.
Duas histórias, e a condição humana em alerta.
Sinto que o estado de consternação deveria durar até que os oprimidos do mundo se tornassem de fato livres. Sonho meu, amigos, nossa perplexidade vai durar apenas até o horário do próximo jogo, novela, bronha, post, ou qualquer grito no escuro que rompa nosso estado de suspense. Qualquer, qualquer mesmo.
Parece fora de moda quando alguém toca em questões como cooperação, tolerância, divisão equitativa dos dividendos da Globalização, redução de desigualdades sociais, respeito às identidades culturais, às diversidades étnicas, à liberdade de culto, à soberania nacional. Vão enquadrar o cara como Comuna, esquerdista ultrapassado e várias outras classificações estéreis que nem vale a pena discorrer.
A dignidade de que todo ser humano deveria gozar, se configura obra de tamanha dificuldade, que chegamos a classificá -la como utopia. Uma pena. Vale a vida de um garoto! Difícil demais!
Mesmo assim, mesmo diante de dificuldades de toda ordem, imposta por interesses de uma minoria que se beneficia de todas as tragédias humanas; das silenciosas estratégias de expropriação dos recursos de países alheios, ou as vezes nem tão silenciosas assim, como ocorre em todo Oriente Médio, ao som de bombas de fragmentação, minas terrestres, e todo material bélico fornecido por grandes potências internacionais; mesmo diante da espoliação atroz do material humano dos países subdesenvolvidos, em nome de uma lógica de enriquecimento unilateral e imposição de valores culturais universalizantes que ignoram identidades culturais milenares; mesmo diante dessa Globalização como fábula e perversidade como classificou o grande geógrafo brasileiro Milton Santos; mesmo diante desse monstro que a humanidade construiu, sob o nome de "REALIDADE", não devemos desistir de sonhar. Porque se nós a construímos assim, então deve haver uma forma de desconstrui-la, e em se encontrando o feixe de luz que nos levará a um fururo melhor, caminhemos.
Como disse o humanista Eduardo Galeano, quando perguntado sobre para que serve a utopia:
"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. PARA QUE SERVE A UTOPIA? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
Talvez não baste caminhar, é preciso darmos as mãos.