terça-feira, 27 de março de 2012

A FÊMEA E O COVARDE



Ela estava tão linda naquele macacão branco de bolinhas lilás. Foi impressionante. Um dia normal, uma sexta como todas as outras. Ela me deslumbrou. Apesar de estar com duas cores, fez um arco Iris no meu resto de dia. Por um momento anulou o tédio. Minhas pupilas poucas vezes se deixaram paralisar por razão de beleza carnal/sexual - estética humana em suas mais variadas formas. Antes mais comovidas com situações, climas, jogos de sedução, cheiros, olhares do que pela pura e simples imagem. Só sei que aquela criatura no bebedouro ali em frente ao banheiro público da casa da justiça levou todos os segundos de mim, levou minha segurança e minha indiferença, construídas pela prudência nossa de cada segundo. Baixei a cabeça quando se virou para me cumprimentar, tímido, trêmulo, destroçado em minha altivez. Um leve “Bom dia” acompanhado por um sorriso aconchegante e convidativo, saindo de cena, toda linda e sedutora, deixando-me na companhia do meu deslumbramento covarde, daquele que vai admirá-la em silêncio, evitando o confronto, com medo danado de a surpresa gerar um diálogo bobo e desnecessário. Não saberia dar o segundo passo naquelas condições. Ôh, raiva! O que me salva é o esquecimento, pois a sensação de arrebatamento por aquela mulher se esvairá rapidamente como um beijo roubado no carnaval de Salvador. É muito gostoso, mas a próxima boca é o único objetivo que interessa. Por isso, SIM, ela desaparecerá! Posso sentir até agora o calor no meu peito, a explosão entorpecente de adrenalina e a boca entreaberta, coisa de menino virgem, bobo. Nossa... que coisa louca eu senti. Inexplicável! Encantou-me a percepção abrupta do belo em estado bruto, representado naquele corpo, rosto, sorrisos, pés, pele, boca... Pernas torneadas pela natureza e pelas sessões de agachamento em algum santuário de deusas e bombados de Salvador, olhos pretinhos cor de mistério, abdômen convidativo feito uma viagem à Cancun, glúteo arredondado, uma ilha virgem, intocada, paraíso de viajantes que morrem no trajeto, perseguindo a lenda com o mapa do paraíso. Seios arredondados, tamanhos M de melhores do mundo – cheiro de fêmea, ainda que a fragrância do HYPNOTIC POISON DIOR trouxesse o toque a mais no tom sedutor daquela mulher. Aquilo não é uma mulher. É uma ofensa ao decoro. Tudo isso pude ver e sentir, antes que minha covardia pendesse minha cabeça ao solo. Meus olhos brigando por se manter ali. Perfeita como uma noite fria de chuva, música do U2 na “vitrola”, vinho gelado, queijo e muito amor até o amanhecer. Aquele instante durou apenas o tempo de uma piscadela dos cílios, mas minha retina desejou morar naquela imagem para sempre.
Como tudo na vida é passageiro e efêmero, ela se foi. Ficou a frustrante intenção de tirar a fotografia do instante em forma de texto para não me esquecer de que a natureza criou verdadeiras obras primas para nosso deleite, a fim de que pudéssemos testemunhar seu incomparável dom artístico e sua grandeza, antes que a vida nos arranque de uma vez a luz dos olhos. A eternidade não existe, mas fazemos o possível para manter o encantamento sobre a vida enquanto é possível. Ai, ai... Aquela desconhecida da casa da justiça, tão perto e tão longe. Ah, quanta injustiça! Ah, quanta sede!!!


terça-feira, 20 de março de 2012

OS REIS DO DISCURSO

E disse Deus: “Haja luz; e houve luz”.
Bíblia Sagrada
O ser humano é obstinado pelas origens. Queremos saber o início de tudo. Dizem que se esclarecermos o passado, poderemos entender o presente e saberemos direcionar melhor o futuro. Acredito ser um grande equívoco pensar desta maneira. Somos um bando de curiosos tentando dar significado à existência e mais nada. Contudo, o que realmente me interessa é o discurso, mais precisamente as origens e os desdobramentos de alguns discursos. A ideia é mais revolucionária do que alguns adventos de magnitudes inquestionáveis da história da humanidade. Por exemplo, você conhece ou conheceu componente mais revolucionário do que o discurso de um único e poderoso Deus em detrimento do charme e da mística que cercavam os residentes do imponente Olimpo? O mundo nunca mais seria o mesmo desde então. Para a história dos homens, este conceito foi infinitamente mais marcante e transformador do que o imperador Bizantino ter sabiamente se cristianizado na iminência da morte.  Foi estarrecedor ver o que o discurso ariano da supremacia racial fez da Europa. O que dizer então dos discursos que permearam as relações entre europeus incendiários de bruxas e carnavalescos indígenas pós-idade média. Muito sangue, companheiros, muito sangue.
A filósofa e poeta Viviane Mosé quando questionada pelo excêntrico Antônio Abujamra sobre quem, em sua opinião, teria feito maior mal à humanidade dentre os bancos, a religião e a filosofia, a escritora hesitou por instantes e depois disparou: “- O discurso socrático-platônico-aristotélico”. Um discurso que instaurou definitivamente uma espécie de sujeito para toda ação expressa pelo verbo. Este conceito fez toda diferença, meus caros, pois a partir de então todos nós passamos a ter um referencial fixo. Graças a este discurso a ideia de um Deus que “tudo pode, tudo vê e tudo sabe” foi possível, e todas as outras relações ou construções sociais foram sendo configuradas nos moldes de uma caracterização fria e estática das coisas, desde a oratória cotidiana a modelos econômicos complexos. Perceba que nossa visão de mundo é definida por dicotomias e perspectivas maniqueístas de existência como bem e mau, certo e errado, dentre outras. O equívoco reside exatamente nesta ideia, já que em verdade somos múltiplos e sabe-se que um ponto de vista tem possibilidades infinitas de análise. Os clássicos que me perdoem, mas fizeram um mal irreparável a uma humanidade plural e multifacetada, cansada de ser reduzida a dicotomias desde a origem. A história está repleta de exemplos que ilustram o referido erro. A luta milenar do bem contra o mal, como se cada um não tivesse em si próprios as mais extremas manifestações de Deus e do Diabo e outras tantas entidades inominadas. Pode-se citar como exemplo próximo a invenção da imagem do Nordeste, construída pura e simplesmente em oposição sistemática ao sul do país. Essa perspectiva é muito simplória e reducionista. O Sudeste em sendo um sujeito referencial e o Nordeste a sua negação. Uma equivalência de forças que acaba descaracterizando a definição ou indefinição dessas duas regiões.
Karl Marx não percebeu, mas quando lançou a dinamite de uma luta de classes como a mola propulsora da história dos homens e estabeleceu o socialismo como um antídoto possível, se esqueceu de que antes de potências tão grandes como o patronato e o proletariado, há o sujeito individual, com seu livre arbítrio e com desejos individuais que sublimam o coletivo, um vírus mortal que dinamitou o estabelecimento de um conceito tão bonito como foi o socialismo ideal. 
A influência do discurso dos clássicos foi tamanha que a obra de Platão “A República” já trazia uma ideia de “Ordem e Progresso” presente em toda nação capitalista e emergente, mas ao deixar os poetas, de forma intencional, à margem desta sociedade inventada, ficou claro o quanto o elemento da subversão deve ser aprisionado quando se quer manter o “Status quo” de domínio dos privilegiados sobre as massas.  Daí se pode ter uma noção de como a cultura da mordaça se disseminou em países pseudodemocráticos do paraíso ocidental. A armadilha reside no discurso.
No caso brasileiro, quando se analisa a origem e formação de uma favela no alto dos morros nas grandes cidades, por exemplo, a primeira explicação que vem à mente é a favela como fruto de um problema social de ocupação indevida e irregular do solo, situação que favorece uma corrente interminável de dramas narrados como filmes reprisados de extrema violência. Entretanto, afirmo que antes de ser um problema social, a formação dos morros, da maneira como está disposta hoje, é a culminância de um enredo triste que se originou de uma ideia, de um discurso extremamente estereotipado das corretes filosóficas do século XIX. O Darwinismo social foi um conceito que - tomando como base a vertente biológica da seleção natural em que os seres mais fortes se adaptam às adversidades da natureza, enquanto os mais fracos são eliminados deste processo – pressupunha um Brasil sempre em posição de subalternidade, seu povo sempre seria subjulgado e que, acima de tudo, trazia no sangue o DNA da fragilidade e da incapacidade de se tornar uma nação forte, desenvolvida e realmente independente, sobretudo porque havia irremediavelmente em sua composição étnica o braço da negritude. Os governantes, contaminados por este discurso, adotaram algumas medidas para “melhorar” a imagem do país lá fora, dentre as quais duas se destacam: A forte propaganda pró-imigração, a fim de tentar “branquear” o país com alemães e italianos; a outra medida é de caráter topográfico e fez toda a diferença. No lugar de inúmeros cortiços que ocupavam os grandes centros urbanos, e que eram compostos essencialmente por miseráveis, o governo passou a construir grandíssimas e desnecessárias praças públicas, monumentos suntuosos e propriedades privadas para aristocracia, com o objetivo de expulsar as classes menos favorecidas para longe daquilo que viria a ser, anos depois, a parte nobre da cidade. Vide o Campo Grande em Salvador. Essa leva de invisíveis sociais, sem teto e sem perspectiva, arrancada deliberadamente das suas rotinas, passou a se deslocar para os confins das grandes cidades, passou a compor os atuais morros, as margens dos centros de poder e alijada do direito à cidadania plena, onde ficaria, por longas décadas, desassistida das obrigações do Estado.
Por todas estas razões discursivas, que apontam o preconceito, a discriminação, a ordem, o progresso, o bem, o mau, o certo e o errado como ideias que servem a um propósito de controle e, por outro lado, altamente revolucionário, o século XX foi o do desmanche e o XXI está sendo o século do “não-discurso” ou das várias vozes que compõem conceitos sem cara definida, com perfis em blogs, redes sociais e os cambal. Perdemos todos os paradigmas e o sangue que iremos derramar de agora em diante partirá de uma ideia que ainda não conseguimos rastrear, e talvez nem consigamos.  Tenho medo dos efeitos de um discurso destrutivo que ganha força. Basta lembrar que neste momento algumas pessoas, em alguma parte do mundo, estão munindo seu próprio corpo com bombas para um martírio suicida, motivadas por um discurso qualquer de salvação e vingança. Há de se tomar cuidado, pois ele chega trajado com as vestes da inocência.
E disse o homem: Haja a palavra: e então surgiu a palavra,
Houve confusão - ninguém mais se entendeu.
Adriano Marques

domingo, 18 de março de 2012

UMA PALAVRA PARA VOCÊ


 Uma palavra quando não é inteira é meia

meia palavra é pouca palavra

pouca palavra pode ser palavra alguma

palavra alguma é silêncio
...
o silêncio pode ser um texto inteiro

- o silêncio pode preencher o espaço de uma vida plena.
...
Uma pessoa quando não é inteira é meia

meia pessoa é pouca pessoa

embora o Pessoa português seja a grande pessoa

Pouca pessoa pode ser pessoa alguma

pessoa alguma é solidão

solidão nunca é pra vida toda

a solidão pra vida toda

deixa marcas na pessoa inteira.

A.M.

quinta-feira, 15 de março de 2012

A PAIXÃO É UMA DROGA

Analisar a paixão é um forte indício de que ela não mais existe. A paixão que desloca as palavras, instaura o silêncio ou provoca aquele palavrão, é o mesmo que o faz ouvir sininhos, que te deixa aéreo o dia todo, sorrindo feito bobo. Meu Deus, perde-se o ar só pela fragrância ao longe. Não se suspeita, sabe-se ser do outro.  À noite, mesmo morrendo de sono, a gente conta os minutos para receber a próxima mensagem, uma vez que a anterior foi a mais de 5 tiques do relógio. Tenho pressa. E ...
"Meu amor, que a noite seja generosa conosco e se faça curta, durma com os anjos - seus iguais". 

Qualquer teoria se rende a incompletude quando se trata dos efeitos e desdobramentos de uma paixão arrebatadora. Aliás, quando não arrebata, não é paixão.

Então, meninas, se você estiver neste exato momento num quarto colorido destilando largos conhecimentos psicodoidos cujo tema é a sua paixão por um outro alguém, e se está conseguindo isso com naturalidade, então meus pêsames. Pule para outra. Saia dessa. Beba um Whisky com iogurte, chame as parceiras e arme aquele "boteco", pois o efeito será o mesmo e a dor menos localizada. Cuidado isso pode estar virando namoro ou coisa pior. rsrs... Um super beijo deste colecionador de pseudopaixões inventadas.

quinta-feira, 8 de março de 2012

LADRAS E CANALHAS

Ah, meu amigo, as mulheres. Vou te contar que elas são umas canalhas, pois é impossível ser indiferente a elas. Um sorriso canalha altamente sedutor e indutivo faz minhas certezas desaparecerem.

Eu só conheço mulher ladra. Elas me roubam de mim. Destituem-me a alma. E eu sei que elas também já usurparam muito daquilo que você já foi um dia. Uma mulher rouba a outra, nem que seja a paciência. Roubam minha sanidade e meu bom senso, e me devolvem instinto, paixão, suor e tesão. Ladras da minha identidade e das minhas noites mais bem dormidas.

Ah, estas mulheres, pobre de nós, também são melindrosas, santas, frágeis, submissas, altivas, e tudo mais que meu imaginário masculino possa se equivocar. O que? Isso mesmo amigos, nós somos levados ao erro porque estamos no mundo sensível (concreto) e elas são abstratas, por isso não são classificáveis, não estão em lugar algum. Nosso olhar retilíneo procura em vão alguma pista no horizonte, mas as mulheres estão no entrelugar. Procuramos a definição, mas estamos longe do conceito. Canalhas da diferença.

Ainda que eu pudesse ler suas mentes, não as compreenderia. São tão transparentes todos os dias, e nem por isso deixamos de estar sempre lhes ofendendo com nossa ignorância. Canalhas, me acabo de tanta culpa por me sentir tão algoz dos teus sorrisos.

Quem poderá nos amparar se um dia Deus resolver nos privar de seus encantos?
Quem conseguirá enxugar as lágrimas do céu, convencer as flores a se abrirem para o insonte Beija-Flor, se um dia elas regressarem ao planeta natal. Ladras do meu coração.

Ladras, canalhas
Queria tanto dominar os seus encantos, sua inteligência, sua sutileza, sua elegância, sua generosidade, mas pobre de mim que sou apenas o rascunho mal acabado de um projeto primário de existência. Meu consolo é que sempre teremos uma linda mulher a tentar nos ensinar tão desprendidamente o caminho. Mais um sinal de grandeza, companheiros. Parabéns, meus amores! Todas canalhas dos nossos devaneios e ladras dos nossos corações.

terça-feira, 6 de março de 2012

A FANTASIA É O DEMÔNIO


Tendo a imaginar aventuras românticas para aplacar os devaneios de uma alma cansada de tanta realidade. Para quê tanta realidade, meu Deus, se os mundos que imagino em mim são tantos, são vários, são raros, nunca se repetem e cabem como se nascessem para aquele ato específico – a vida em suas complexidades e enganos é condensada para servir ao propósito das minhas criações.  São vôos sem proteção e sem pára-quedas, a realidade conduzida a mais pura “breguice”, marginalizada pela fantasia.  Síndrome de um olhar borboleta que vê sempre a primavera das coisas. Quanto mais sonhadas e mais idealizadas, menos vazia e pouco colorida fica a existência. As relações inventadas em segredo mantêm meu olhar em suspense, em permanente vigília por ESTAS que são tão encantadas e que merecem toda a minha atenção. Afinal as suas benesses me obrigam a tratá-las com devoção, de luz acesa, água morna e muita paixão.  Contudo tenho que confessar a minha sorte – não encontro correspondência da outra parte. Digo sorte porque a sensação de deslumbramento por “um outro alguém” não me é devolvida, ungida pela mesma energia. Fato que deixa minha “casa” em ordem.
Fica impossível conter a emoção de alguém com tamanha empatia, este que é o meu mais profundo e “auto confessional” desdobramento, em sendo, ao tempo, imagem projetada em alguém real. Ah, se elas soubessem. Ah, se ela soubesse. Ela que é objeto meio e fim de um sentimento criado, alimentado e morto ali mesmo, na fugacidade do instante. Ela que desprende girassóis quando canta, inebria quando abre o coração, se entrega como se fosse a eleita, uma espiã de Deus a desvendar os meus segredos mais calados. Ela que também morre quando procura me conhecer, pois em me conhecendo eu acabo por conhecê-la também, instante em que ela perde a divindade. É onde me salvo, queridos amigos. Sinto neste instante uma vibração dolorida, aquela que me diz o quanto eu preciso que as coisas fiquem no seu devido lugar, embora menos coloridas. Novamente a realidade se impõe, rechaça veementemente o poder inquestionável da fantasia em mim. E mais uma vez volto para os mesmos e gélidos lugares em que a racionalidade e o falso senso de controle voltam ao comando do ser encantado.

quinta-feira, 1 de março de 2012

INSTANTES DE SILÊNCIO

Que dia estranho o de ontem. Ps. Eu sou filiado a um movimento do qual sou o único representante (pelo menos lá em casa), diretor e militante. Movimento Pelo Direito de Ficar Sozinho e de Celebração do Silêncio e da Paz de Espírito.Os telefones tagarelaram o dia inteirinho no trabalho como se quisessem me enlouquecer, mas não conseguiram. Esse aparelhinho é meu maior desafeto. À noite, em meio a caminhada anti-obesidade no centro da paralela, mais precisamente no Memorial do Luis Eduardo, respirei fundo, procurei o silêncio como sempre tento e daquela vez estranhamente consegui. Foi incrível. Sorri. Fechei os olhos, abri os braços e chorei. Havia o mundo exterior paralisado - obliterado? Deus havia finalmente desistido de nós só um pouquinho? Ou eu é quem tinha encontrado uma forma de calar o peso do mundo em mim?  Hoje vim me dar conta do perigo destas sensações, e me assustei. O mundo acabou de me lembrar que toda vitória deixa marcas, Pois bem, conclusão: O BARULHO DO COTIDIANO SE TORNOU PARTE DO MEU SILÊNCIO ABSOLUTO. O inimigo agora faz parte de mim. Com isso, temo perder a capacidade de perceber o DETALHE, O INSTANTE PRECIOSO DO DETALHE, pois sei que as minhas idiossincrasias, ainda que me doam na carde, são a base de tudo aquilo que deixa minha casa instável, deslocada e pronta para REFORMAS.