terça-feira, 17 de abril de 2012

THE ICEMAN E O CALABOUÇO


Elas reconheceram - me. As mãos do milagre que se viram juntas há 20 anos estavam com saudades. Os toques se diziam muito naquela época. Demorei um pouco para que os olhos pudessem mirar retinas que um dia foram tão familiares – olhos de Lince. Os dois disfarçados de tempo, encobertos pelas marcas do destino e sangrando uma vida de amores, mas também de desencantos. Sumimo-nos juntos no passado do adeus e nos perdemos. Meu coração não entendeu a precocidade de uma morte em vida. Então, trancafiei-me no calabouço da indiferença, com paredes transparentes para ver o sofrimento de quem me queria por perto. As lágrimas acabaram ficando cada vez mais raras em frente ao meu aposento. A frieza da solidão foi minha única companheira. Até que um dia vi o filho de alguém ser abraçado pela filha de um outro alguém na tenra idade. Tamanha ternura inocente me emocionou e fez a primeira rachadura no meu Forte, porque em tempos imemoriais nos lembraremos melancolicamente de uma época em que sentir um calor fraternal cingindo ao peito, aquele que marca a roupa, era fundamental, quase uma necessidade primária. E nossos abraços eram tão especiais, querida, debaixo daquela lua única, nas extintas palafitas de Plataforma. Difícil não sentir saudades. Minha caixa das lamentações nunca mais seria a mesma quando vi um casal de sessentões namorando no meio da rua em um dia de chuva, os faróis desligados, as luminárias a meia luz, os grilos como senhores do silêncio, a música da Adele ao longe e a lua dos enamorados eternos para amadrinhar o instante. A fissura no meu Forte se fez maior e expos a fragilidade do luto. Um grande pedaço daquele calabouço que era na verdade parte da minha armadura diária se despedaçava ao chão, quando pude vislumbrar mais uma vez o meu renegado amor de outrora. Caminhei com muita dificuldade em direção a ela, pés gelados, membros atrofiados, coração revivendo o prazer de bater mais acelerado e haja sangue. Sangrei por sentir o peso dos anos naquele exílio ensimesmado de mim mesmo, pelo aperto irreparável das correntes, pelas dores solitárias dos dias sem amor e sem poesia, dores que são tão minhas que talvez nunca mais as esqueça. E assim fui passo após passo em direção ao que faria preencher as lacunas de páginas não escritas, daquele choro não consolado, daquele sorriso não curtido, daquela conquista não comemorada.  De tanto sangrar, pedaços das minhas vestes foram se soltando pelo caminho. Eu estava vestido de escudo e espinhos. Agora, não mais. E então éramos nós dois rejuvenescidos. Literalmente. De mãos dadas. E sem saber o que fazer, perguntei:

 – Hei, por onde você andava?

Tocando no meu peito, ela respondeu:

- Jamais fui a parte alguma.