Bom, Bruninha, eu vou falar como cidadão e não como
professor. Então me permita ser informal na resposta, já que é uma entrevista.
É preciso
ficar claro que a linguagem é absolutamente dinâmica no tempo e no espaço nos quais se realiza, pois é óbvio que a língua do dominador/colonizador que chegou
aqui em 1500 está longe de ser parecida com a comunicação verbal que é
produzida na contemporaneidade. É imprescindível recordar que a história do
Brasil foi marcada pela miscigenação das três raças, o que permitiu a interação
mútua de diversos dialetos indígenas, africanos em convivência direta com o
próprio português de Portugal, possibilitando a diferenciação da linguagem que
é produzida em Portugal e a que é produzida no Brasil, ainda que se mantenha o
rótulo de “Língua portuguesa”, muito embora estudiosos de grandes Universidades
do Brasil já desenvolvam teses respeitadíssimas que vão corroborar com a
corrente que defende que o português falado aqui pode ser chamado de “língua
brasileira”. Precisamos considerar ainda que o viajante do velho mundo que
chegou a terras tupiniquins trouxe uma linguagem marcadamente distante da
variante culta da língua que era professada nos principais centros culturais de
Lisboa, pois se lembre que os primeiros navegantes que desceram das naus lusitanas,
trazendo pulgas e doenças, foram degredados, prostitutas, ladrões, insurgentes
políticos e agitadores sociais, muitos deles representantes, portanto, de uma
variante popular do português. Essas considerações já rechaçam a possibilidade
de algum brasileiro ou português falar a língua portuguesa na sua norma padrão,
aquela que está descrita em compêndios gramaticais, pois tal realização da
língua é absolutamente estéril, são letras frias que não acompanharão jamais a
dinâmica e velocidade das nossas necessidades de comunicação e suas recorrentes
adaptações aos diferentes contextos que nos são apresentados a todo instante.
Se não me
falha a memória, há cerca de dois anos um livro educativo de língua portuguesa
adotado pelo MEC foi violentamente ridicularizado pela opinião pública por
discutir a noção de erro na língua portuguesa, afirmando que não existem erros
no português, e sim, incontáveis possibilidades de realização da mesma língua.
Essa reflexão deixou os patrulheiros de plantão estarrecidos, principalmente
porque o MEC errou na estratégia ao lançar tal discussão acadêmica para o
centro da sociedade sem o devido amadurecimento e esclarecimento dessas idéias.
Ora, existe a variante culta da língua que é notoriamente privilegiada pelos
centros de poder, principalmente porque é realizada por quem tem a oportunidade
de acesso à educação de qualidade, são médicos, doutores do saber jurídico,
acadêmicos, professores e etc. Mas a sociedade precisa se conscientizar que não
é possível considerar erro, realizações que carreguem a riqueza de traços
regionais, pois língua é questão de identidade, língua é fator de
diferenciação, língua é riqueza cultural e, por isso não deve ser engessada por
nenhuma padronização que desrespeite aos seus usuários e ao mesmo tempo os
releguem à invisibilidade social. Portanto, a noção de erro precisa e deve ser
relativizada. A linguagem nas redes sociais de mensagens instantâneas como MSN,
whatsapp e Facebook tem seu código
linguístico totalmente próprio, é absolutamente pertinente e eficaz para o
contexto onde se realiza. Imagina alguém tentar conversar com algum
adolescente, hoje em dia, pelo Whatsapp se utilizando de um português
rebuscado? Vai acabar comendo mosca e ficando a ver navios na rede social. Eu
não estou dizendo com tudo isso que a norma padrão e a variante culta da
língua, que são conceitos claramente diferentes, devam ser ignoradas, até
porque nosso país é continental, trocamos documentos oficiais de leste a oeste,
a comunicação escrita se faz presente em todas as relações sociais, econômicas,
educacionais e culturais, então a padronização é importante, mas a valorização
da variedade é tão imprescindível quanto a necessidade da norma padrão que
aprendemos na escola. Um juiz jamais levará um papo com seu filho em uma linda
manhã de sol na praia de Aleluia da
mesma forma como brilhantemente discorre sobre uma sentença condenatória de um
deputado corrupto.
Por fim e a
despeito do estado de perplexidade que tomou conta da hipócrita sociedade
brasileira em pleno século XXI no caso do livro do MEC, peço licença ao poeta
antropofágico modernista, Oswald de Andrade, para enriquecer minha reflexão com
seu arrojo e coragem, lá em pleno começo de século 20, quando escreveu:
PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.