terça-feira, 18 de novembro de 2014

A CHUVA E EU





Eu simplesmente amo dias chuvosos.

"Me amarro" num acinzentado de céu, pessoas bem vestidas - elegantes. "Me vem" uma felicidade incontida, um senso aguçado das pequenas coisas, uma percepção incomum do detalhe, em particular, a melodia em nota única da chuva nos telhados das casas, jeito bucólico, gosto de café interiorano. Ligo para as pessoas a querer jogar conversa fora, convido para ganhar a rua, embora pouca gente saiba desfrutar a alegria de brincar ou dançar na chuva. O velho Charles Chaplin sabia como ninguém. Daí fico na varanda, contemplativo, bobo e "emimesmado", vendo-a cair, debruçando-se sobre nossas almas tão cansadas de tanta realidade.
Chuva combina com final de filme bom; estimula ao encontro consigo mesmo; te ensina a enxergar, quando as pobres pessoas só sabem ver. A chuva tem o poder de bater uma fotografia do belo no espaço seleto da nossa lembrança, congelando instantes únicos. O frio da chuva aproxima os amantes, as peles se roçam, os corações ficam mais próximos, a gente dana a dizer que ama, verdadeiramente emocionados. A chuva parece a ressaca do mar que chega para quem vive longe dele, e me lembra as lágrimas que aquele menino tentou esconder, sob vestes pretas, um guarda-chuva em punho e um bilhete de adeus borrado das cores da dor. A vida é assim mesmo. Tem dessas coisas. E eu só me lembro quando a chuva vem. Lembra-me também da lenda de um amor proibido entre o céu e o mar, cujos protagonistas ao final foram condenados a viver um de frente para o outro por toda a eternidade, sem poder se tocar. Dizem que a chuva

é o céu chorando por sua amada, e que hordas de ondas agitadas, quebrando nos corais, é o mar dançando para acalentá-lo. E assim, eles continuam a namorar no terreno infinito da impossibilidade.
Em todo o resto, as possibilidades de um dia atípico em Salvador são infinitas: um vinho, um filme, um cobertor, um sonho, um livro, uma pizza, um post, uma ligação, um beijo, um movimento, um som, uma poesia. 

Amo um dia cinza.

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