terça-feira, 3 de setembro de 2013

Quiria isckeve augo legaú maix fauta educkassão

Bom, Bruninha, eu vou falar como cidadão e não como professor. Então me permita ser informal na resposta, já que é uma entrevista.
É preciso ficar claro que a linguagem é absolutamente dinâmica no tempo e no espaço nos quais se realiza, pois é óbvio que a língua do dominador/colonizador que chegou aqui em 1500 está longe de ser parecida com a comunicação verbal que é produzida na contemporaneidade. É imprescindível recordar que a história do Brasil foi marcada pela miscigenação das três raças, o que permitiu a interação mútua de diversos dialetos indígenas, africanos em convivência direta com o próprio português de Portugal, possibilitando a diferenciação da linguagem que é produzida em Portugal e a que é produzida no Brasil, ainda que se mantenha o rótulo de “Língua portuguesa”, muito embora estudiosos de grandes Universidades do Brasil já desenvolvam teses respeitadíssimas que vão corroborar com a corrente que defende que o português falado aqui pode ser chamado de “língua brasileira”. Precisamos considerar ainda que o viajante do velho mundo que chegou a terras tupiniquins trouxe uma linguagem marcadamente distante da variante culta da língua que era professada nos principais centros culturais de Lisboa, pois se lembre que os primeiros navegantes que desceram das naus lusitanas, trazendo pulgas e doenças, foram degredados, prostitutas, ladrões, insurgentes políticos e agitadores sociais, muitos deles representantes, portanto, de uma variante popular do português. Essas considerações já rechaçam a possibilidade de algum brasileiro ou português falar a língua portuguesa na sua norma padrão, aquela que está descrita em compêndios gramaticais, pois tal realização da língua é absolutamente estéril, são letras frias que não acompanharão jamais a dinâmica e velocidade das nossas necessidades de comunicação e suas recorrentes adaptações aos diferentes contextos que nos são apresentados a todo instante.
Se não me falha a memória, há cerca de dois anos um livro educativo de língua portuguesa adotado pelo MEC foi violentamente ridicularizado pela opinião pública por discutir a noção de erro na língua portuguesa, afirmando que não existem erros no português, e sim, incontáveis possibilidades de realização da mesma língua. Essa reflexão deixou os patrulheiros de plantão estarrecidos, principalmente porque o MEC errou na estratégia ao lançar tal discussão acadêmica para o centro da sociedade sem o devido amadurecimento e esclarecimento dessas idéias. Ora, existe a variante culta da língua que é notoriamente privilegiada pelos centros de poder, principalmente porque é realizada por quem tem a oportunidade de acesso à educação de qualidade, são médicos, doutores do saber jurídico, acadêmicos, professores e etc. Mas a sociedade precisa se conscientizar que não é possível considerar erro, realizações que carreguem a riqueza de traços regionais, pois língua é questão de identidade, língua é fator de diferenciação, língua é riqueza cultural e, por isso não deve ser engessada por nenhuma padronização que desrespeite aos seus usuários e ao mesmo tempo os releguem à invisibilidade social. Portanto, a noção de erro precisa e deve ser relativizada. A linguagem nas redes sociais de mensagens instantâneas como MSN, whatsapp e Facebook  tem seu código linguístico totalmente próprio, é absolutamente pertinente e eficaz para o contexto onde se realiza. Imagina alguém tentar conversar com algum adolescente, hoje em dia, pelo Whatsapp se utilizando de um português rebuscado? Vai acabar comendo mosca e ficando a ver navios na rede social. Eu não estou dizendo com tudo isso que a norma padrão e a variante culta da língua, que são conceitos claramente diferentes, devam ser ignoradas, até porque nosso país é continental, trocamos documentos oficiais de leste a oeste, a comunicação escrita se faz presente em todas as relações sociais, econômicas, educacionais e culturais, então a padronização é importante, mas a valorização da variedade é tão imprescindível quanto a necessidade da norma padrão que aprendemos na escola. Um juiz jamais levará um papo com seu filho em uma linda manhã de sol  na praia de Aleluia da mesma forma como brilhantemente discorre sobre uma sentença condenatória de um deputado corrupto.
Por fim e a despeito do estado de perplexidade que tomou conta da hipócrita sociedade brasileira em pleno século XXI no caso do livro do MEC, peço licença ao poeta antropofágico modernista, Oswald de Andrade, para enriquecer minha reflexão com seu arrojo e coragem, lá em pleno começo de século 20, quando escreveu:


PRONOMINAIS

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco 
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

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